Review: "Te Amo Lá Fora" - DUDA BEAT
Munida de nobres referências, DUDA BEAT utiliza sua ascensão meteórica no MPB para ser a mensageira do amor e desamor, pronta a pousar sob qualquer solo da música independente.
Álbum: Te Amo Lá Fora
Artista: DUDA BEAT
Nota: 9/10 ★★★★✫
Foi em 2018 que o céu brasileiro ganhou mais graça, pois nascia oficialmente a estrela de nome artístico DUDA BEAT, que viera a lançar seu aclamado álbum de estreia, Sinto Muito. Apesar de todo o hype inicial e de já ter tido a oportunidade de se apresentar em trio elétrico com titãs da música brasileira, a estudante afirma que já precisou fazer bicos diversos para financiar seu trabalho de estréia, e que o novo disco é fruto de hits pop como Bixinho, canção que, além de ser um dos maiores sucessos comerciais dos últimos anos, vende brasilidades e deságua a paixão da intérprete e também compositora, que se dispõe a navegar em outras sensações do Te Amo Lá Fora.
O mar de amor pernambucano que abre o álbum, “Tu e Eu”, se derrama sobre o cortejo de samples, “Coração de Papel” e “Lá Vem Ela Chorando” da cantora Cila do Coco, também pernambucana, para guiar a versatilidade triplamente pernambucana de Eduarda Bittencourt Simões, que se põe prontamente a recostar o próprio talento em muitos outros gêneros. A estudante de ciências sociais discorre no terreno que a fez famosa — “Se tu me amasse como falou, não rejeitaria meu amor” —, onde superação e sobreposição do raciocínio lógico dentro do amor parecem tarefas tão simples quanto somar duas unidades.
“Meu Pisêro” é um feixe de forró, eletrônico e Europop, no seu âmbito mais decolonial e direto, como se Duda quisesse inserir a pisadinha de uma forma mais radical e posicionada no debate pós-colonial dentro do MPB, como pouco se ouve por aí. A canção em questão é uma das mais interessantes vertentes do piseiro dos últimos tempos, sem influências diretas de bachata ou tango, é um bálsamo. Em “Nem um Pouquinho" a diva pop e o rapper Trevo assumem o contrato de receptar ou distribuir carinho, através de um pagode baiano e floreios trap.
A produção não se economiza em nenhum momento, e fica por conta da mente criativa do casal Lux Ferreira e Tomás Tróia, formando assim a simbiose sonora Lux & Tróia. Seja por uma camada extra de vocais soprados, seja por um novo synth que venha a fazer cama para queixas evolucionárias, o uníssono é ouvido em grande parte da obra.
“GAME” é uma síncope em electropop, onde o player 1 é o ouvinte, e os compositores Tomás e Duda formam uma espécie de Steven Spielberg, que por sua vez dirige as cenas sobre ciúmes, tanto pelo ponto de vista de quem sofre quanto o de quem provoca, num roteiro afiado, provocante e disruptivo, fazendo com que repensemos os próprios conceitos sobre o amor, sobre o que pensamos se tratar de amar, de maneira assustadoramente convincente e lúcida, ela declara com a propriedade de quem viveu mil romances:
“Eu pеrguntei por que o amor não conquista o amor
Eu perguntei por que o amor... (Não)
Me perguntei por que o desprezo conquista o amor”
Em “Decisão de Te Amar” está presente o flerte mais forte da cantora com o pop rock, misturado a uma continuidade especificamente reggae vinda de “50 Meninas”, duas faixas gradativamente saborosas. Já “≈(♡ω♡)” é um lapso dreampop tão curto quanto desapaixonar-se. Adiante em “Meu Coração” a melodia ganha um tom um tanto mineiro de sofisticação, compassos pouco usuais, sobreposição de camadas e a voz como instrumento amplia-se esparramada em lamúrias, num aceno constante a Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, etc. Te Amo Lá Fora encerra o ato com “Tocar Você”, um ataque pop tiquetaqueante nu-disco.
Te Amo Lá Fora nos faz encontrar um lar em gêneros pouco consumidos pelos brasileiros. Importa gêneros pouco comuns à sofrência, que até então era mais familiar com uma roupagem sertaneja, e isso é, de certa forma, inovador. Reconhecer o potencial de sua própria versatilidade e ter tanto pra dizer sobre temas tão difíceis enquanto domina essa arte, aqui, parecem simples jogatina. Se amar é viver, DUDA BEAT teria morrido, renascido, sobrevivido, no mínimo, mil vezes nesse jogo.